CUIDADO: Mesmo tentando evitá-los alguns comentários podem ser spoilers.
A Marvel e a Netflix continuam preparando o terreno para o grande apogeu da parceria, a série Os Defensores (2017), que unirá Demolidor (2015), Jessica Jones (2015), Luke Cage (2016) e o novato Punho de Ferro. A intenção nítida e clara nessa primeira temporada é de nos apresentar e nos ambientar com o mundo místico dos quadrinhos. Levando sempre em consideração que todas as tramas são permeadas por questões pessoais. Foi assim com Jessica Jones e Luke Cage, e isso também se repete em “Iron Fist” (Nome original da série), existe um grande objetivo, porém permeado por inúmeras subtramas, anseios e traumas do personagem principal.
A historia central, baseada mais uma vez nos quadrinhos, tem como protagonista Danny Rand (Finn Jones), um jovem que acabou de chegar a Nova Iorque, após estar afastado. Segundo o próprio, ele passou os últimos 15 anos em uma cidade chamada K’un-Lun e lá aprendeu artes marciais, o que o preparou para se tornar o lendário Punho de Ferro. O protagonista é visto pela primeira vez com um visual pouco usual na cidade mais rica do mundo: casacão, calças largas, sujo e descalço. Danny é herdeiro das empresas Rand, porém assim que ele chega seus antigos amigos, Joy (Jessica Stroup) e Ward Meachum (Tom Pelphrey), dizem não o conhecer, e ele tenta provar a todo custo sua identidade, já que ele e seus pais foram dados como mortos em um acidente aéreo.

Joy (Jessica Stroup_ e Ward (Tom Pelphrey)
O inicio da trama já conta com vacilações consideráveis. Joy e Ward, que são os atuais diretores da empresa, reconhecem Danny logo de cara, porém ao invés do nosso protagonista fazer o óbvio, ele aparentemente começa agir como louco, tendo como reciprocidade, ações obvias e frases simples demais. Todo o desenrolar sobre a tentativa de Danny em provar quem é não reverbera em desdobramento nenhum no futuro da série, e poderia ser resolvido em menos tempo, já que ele dura os três primeiros episódios, tornando-os repetitivos e arrastados. Além disso, o comportamento inexplicável de Danny, apenas serve para ficarmos com raiva, mostrando uma total falta de capacidade da série em desenvolver seu personagem principal.
Outro grande fato que torna a primeira metade da série muito arrastada é a tentativa de desenvolver os irmãos Meachum. Como ambos tem cargos muito importantes dentro das indústrias Rand, muitas das cenas acontecem no local de trabalho, entretanto, toda a parte empresarial da série é mal escrita, mal interpretada e sinceramente é vista como a mais pura e simples enrolação, tornando, mais uma vez, a experiência de assistir a série, morosa e pouco engajante. A família Meachum só não se torna uma decepção por completo devido ao pai. Harold (David Wenham) é o único que mexe com nossas emoções. Não nos afeiçoamos a ele, mas o personagem nos proporciona pelo menos 2 momentos bastante angustiantes e que aparentam elevar o tom de seriedade, porém logo é abandonado. O potencial de loucura, muitas vezes insinuado, jamais alcança todo seu potencial e, quando acontece a tentativa de atingir tal potencial, tudo soa tão ilogicamente vilanesco que não há como a história nos convencer daquilo. Mesmo no fim, quando Harold assume um papel mais importante, o seu arco nunca é de fato tratado e explorado como principal, mas apenas umas das inúmeras subtramas desinteressantes que existem em Punho de Ferro.
Falando exclusivamente do nosso protagonista. A trama principal rodeia a tentativa do Punho em acabar com a organização criminosa Tentáculo. Somos confrontados com a informação de que o Punho de Ferro e o Tentáculo são inimigos mortais, o roteiro não sente a menor necessidade em nos dar sequer uma explicação do por que isso é uma verdade absoluta. Assim como tudo que Danny diz sobre K’un-Lun, somos obrigados a engolir a seco todas as informações dessa cidade, verborragicamente, sem sequer uma cena do treinamento dele, os sequer um único flashback que explique e nos dê algo mais substancial para acreditar, não há a construção de um antagonismo, ele é imposto e pronto. Obviamente somos apresentados a algumas das malfeitorias cometidas pela organização, porém as motivações e a forma como o nosso protagonista sempre reagi explosivamente quando escuta a palavra “Tentáculo” deixa tudo muito banal.

Tudo que envolve a transformação de Danny Rand em Punho de Ferro, como citado acima, é algo não mostrado para nós, somos obrigados a aceitar. Como se trata de uma primeira temporada de origem do personagem, sentimos falta de cenas que mostrassem isso, que saíssemos do ponto “A” e entendêssemos como fomos parar no ponto “B”, mas não há sequer uma tentativa de ir para K’un-Lun, com isso o vinculo emocional com o personagem não é tão forte como deveria. Algo ainda mais irritante na personalidade do nosso herói e a forma “Chiliquenta” de como ele resolve ou tenta resolver todos os seus problemas.
Como o roteiro já o estabelece como Punho de Ferro, era de se esperar que ele pudesse ou soubesse controlar as suas emoções e que no máximo explodisse uma vez ou outra, porém a qualquer coisa que saia dos seus gostos, faz o nosso herói explodir de raiva, tornando-o muitas vezes irritante ao público, diminuindo ainda mais o laço emocional que pouco tínhamos com ele.
Por conta de tudo isso, as personagens secundárias Collen Wing (Jessica Henwick) e Claire Tample (Rosario Dawnson) ganham mais importância e são consideravelmente mais atrativas. Tanto Collen, como Claire passam por arcos dramáticos mais interessantes e melhor construídos do que o protagonista, uma falha gravíssima constatada aqui. Collen inicia a série como uma professora dona de um dos inúmeros dojos de Nova Iorque e termina a série de maneira surpreendentemente importante. Claire (que é o principal ponto de ligação entre os futuros Defensores), mais uma vez tem uma participação muito importante na jornada do herói e a personagem sai mais fortalecida do que nunca. Já Danny Rand inicia a série sendo o Punho de Ferro, só que muitas das vezes o próprio diz não conseguir ou não poder usar o poder, e logo vemos que ele ainda não é o Punho de Ferro totalmente e a série termina com ele ainda não sendo o Punho de Ferro.
Existem também muitos problemas técnicos. Roteiro, direção e montagem são os principais. Vamos por ordem. O roteiro é tragicamente mal escrito. Existem premissas e ideias bem criadas, porém são mal colocadas e com diálogos infantis, clichês e fracos. As boas ideias são perdidas e não exploradas, os bons caminhos que a série traça são equivocadamente construídos, deixando tudo em um belíssimo caos. A falta de um vilão imponente é fortemente sentida nos momentos finais, mesmo que a presença do Punho de Ferro não seja algo tão imponente, talvez um vilão forte nos trouxesse algo a mais para gostarmos do protagonista. É pra mim, a primeira série da parceria Marvel-Netflix, que não temos um bom vilão.

Danny Rand (Finn Jones) e Collen Wing (Jessica Henwick)
Tratando-se de uma série onde o principal personagem é um mestre na arte do Kung-Fu, espera-se que tenhamos muitas boas cenas de ação, e até temos algumas, todavia, por mais que as coreografias das lutas sejam bem feitas, os frequentes cortes e muitos enquadramentos errados, tornam a ação confusa, em algumas cenas não entendemos quantas pessoas estão lutando e quem está batendo em quem. Sobre a montagem, diria que é o maior defeito do seriado. Os personagens viajam da China para os Estados Unidos em uma questão de minutos, aparecem em um cenário e logo estão em outro, isso tudo em segundos, ficamos confusos em saber o quão os ambientes ficam longe ou perto um do outro, não há uma sequência lógica e temporal na montagem, isso sem contar alguns erros graves de continuação.
O elenco, conta com nomes pouco conhecidos do público em geral. Alguns mostram ser boas promessas e outras acompanham o mau momento de seus personagens. Jessica Henwick e Rosario Dawson funcionam muito bem, dão força e perseverança as suas personagens, com destaque para Jessica que nitidamente dá tudo de si no trabalho, principalmente na ação. Finn Jones contribui muito para o insucesso do seu personagem, ele pouco faz e apenas altera seu rosto entre raiva e decepção. Jessica Stroup, que interpreta Joy, é totalmente robotizada, seus braços não se mexem em cena, sua boca não parece se mexer com fluidez, não entendi a escalação dela para o papel. Tom Pelphrey e David Wenham mostram um trabalho mais convincente, porém aqui, o roteiro não os dão espaço suficiente.

Punho de Ferro é infelizmente uma série morosa demais, onde o ritmo arrastado, de um roteiro preguiçoso, onde a intenção foi só nos jogar informações e assim nos obrigando a engoli-las a seco, para que cheguemos em “Os Defensores” conhecendo-o minimamente. Punho de Ferro mostrou que Marvel e Netflix tem pressa em chegar lá, e sacrificou a qualidade da sua mais nova produção para conseguir alcançar seu objetivo o mais rápido possível. Há muito pouco a se elogiar nessa primeira temporada, mesmo assim esperamos uma segunda temporada digna, já que ao final a produção deixa um gancho gigante para futuras continuações.
NOTA: 4,0
Nome Original: Iron Fist
Lançamento: 17 de Março de 2017
Gênero: Ação / Fantasia
Distribuidora: Netflix