Escrito e gentilmente cedido por João Victor Lopes
O crítico que vos escreve nesse momento não pode ser considerado um fã do gênero cinematográfico do Terror, em minha vida foram poucos os filmes de tal gênero que eu consegui assistir. Entretanto, deixando um pouco meu medo de lado e me soltando de amarras do preconceito com o gênero, venho gradativamente aumentando o número de filme assistidos, e Corra!(2017) serve como um belíssimo incentivo, não só para mim, mas para todos aqueles que por medo, preconceito, ou seja, lá o que, dizem não assistir filmes de terror.
O início do filme é bastante convencional e familiar a outros em que um casal de namorados irá conhecer sogro e sogra. Em Corra!, Chris, negro,(Daniel Kaluuya) é convidado pela sua namorada Rose (Alison Williams), branca, para conhecer sua família, que mora afastada da cidade. Já na casa dos seus sogros, Chris passa a perceber algumas coisas que lhe incomodam, tudo isso bastante ligado ao racismo, como a forma que ele é tratado e até mesmo a disposição de patrões brancos e empregados negros. Mesmo todo esse início sendo bastante clichê, a intenção do filme é apenas de preparar terreno para um futuro próximo, por isso em momento nenhum tal situação de apresentação e convencionalidade se torna chata, exatamente pelo fato de ser tudo muito rápido.

A partir do momento em que percebemos que há algo errado com essa família, nossas cabeças iniciam um processo de investigação, onde somos inquietados a tentar descobrir o mistério, antes que ele seja revelado pelo filme. Tudo isso em vão. O roteiro do filme, escrito pelo também diretor Jordan Peele é uma caixinha de surpresas fascinante. O tempo todo somos induzidos a achar e identificar algum caminho na trama, mas nunca fica óbvio, por mais que achássemos termos descoberto algo, o roteiro nos surpreende, mas não sendo lunático, as reviravoltas são palpáveis, com pistas jogadas desde o início do filme. Próximo da revelação do mistério, o filme cria apenas um dispositivo de confirmação, para ter certeza que o público entendeu a virada narrativa, que para alguns podem soar como informação desnecessária.
Além de ser um bom filme de terror, o diretor e roteirista, que é conhecido nos Estados Unidos por um programa de esquetes, no qual muitas delas são de temática racial, o filme introduz em si, uma forte crítica ao racismo na terra do Tio Sam. A questão social também é montada desde o início, começa na preocupação de Chris em não sofrer racismo dos sogros, passa por como um policial que dá uma dura no casal e chega até a disposição familiar da casa. Porém como estamos falando de um filme de terror, toda a temática social é implementada a favor do suspense. Ao mesmo tempo em que constrói uma crítica, ela também é responsável pelo aumento da tensão.
O filme também consegue construir uma relação perfeita entre o desespero do protagonista, e o desespero do expectador. O tempo todo, o desconforto do Chris é também o nosso. O isolamento social e comportamental dele nos transporta mentalmente para aquela situação. A empatia com o protagonista, que já era vigente, se torna ainda mais determinante para o engajamento emocional com a história.

Há um personagem estritamente responsável pelo humor do filme. Rod (Lil Rel Howery), melhor amigo de Chris, é usado como alívio cômico, mas se engana quem o enxerga apenas com essa função. Dentro do gênero terror, o humor corre sérios riscos de soar inapropriado e sem valor narrativo, porém em uma atmosfera tão sombria e utópica, é ele que nos puxa para a Terra e nos mostra que tudo faz parte do mundo real, da vida real, ele é o principal causador de verossimilhança do roteiro. É claro que em uma análise isolada, muitas de suas cenas podem parecer desconexas com o restante do filme, entretanto são de suma importância.
Outra ótima característica deste longa-metragem é o seu elenco perfeitamente escalado. Daniel Kaluuya e Alison Williams estão impecáveis em seus personagens, o trabalho de olhar, na falar, até a movimentação corporal é bastante importante e bem feita. Os pais de Rose, Dean e Missy, interpretados respectivamente por Bradley Whitford e Catherine Keener, transbordam mistério e perversidade o tempo todo. O irmão de Rose, interpretado por Caleb Landry Jones , tem uma figura errática, que transita entre o louco e o maníaco. Os atores negros (Betty Gabriel, Keith Stanfield e Marcus Henderson) também estão todos muito bem, o tom de voz e a forma de olhar uns pros outros são a principal fonte de mistério.

A direção do Jordan Peele é a cereja do bolo. Ele transborda habilidade em juntar terror e humor, em manipular expectativas e estimular a tensão. O ato final me fez segurar na cadeira do cinema tão forte ao ponto de me cansar. Detalhe para o início do filme com um ótimo plano sequência.
Corra! é um filme assustador, inquietante, mas ao mesmo tempo divertido, reflexivo e que te faz enxergar a beleza de um bom roteiro, que envolve todos os acontecimentos em prol de uma boa história. Seguindo a lógica do meu amigo Otávio Ugá, esse pode ser considerado o melhor filme de 2017 até então.
NOTA: 9,0
Nome Original: Get Out
Lançamento: 18 de Maio de 2017
Direção: Jordan Peele
Roteiro: Jordan Peele
Gênero: Terror / Suspense
Distribuidora: Universal Pictures